O filho ilegÃtimo da República
Para os fins da Teoria do Estado a teoria do poder que melhor se ajusta é a que o explica como tendo origem nas relações sociais, e assim o poder pertencer à sociedade, ao povo. Sendo o povo o soberano, o real detentor do poder, aquele que o exercer sem mandato temporário é um usurpador, não o detém com legitimidade.
O Poder Judiciário brasileiro é o único Poder da República que não está submetido aos princÃpios republicanos e democráticos, encontra-se acima da soberania popular - exceto o Tribunal do Júri em que a própria sociedade detém o poder de julgar -, e por decorrência todos os seus órgãos detêm o poder sem o consentimento do soberano, ilegitimamente, portanto.
Os juÃzos monocráticos são mais facilmente percebidos em colisão com a soberania popular à vista de que o acesso à função jurisdicional por concurso de provas e tÃtulos não confere a nenhum juiz mandato e legitimidade para exercer um Poder da República.
Com o intuito de justificar esta aberração jurÃdico-polÃtica na estrutura da República assim escreveu Geraldo Ataliba:
“Isto é perfeitamente explicável à vista da circunstância de que se, efetivamente, ao Poder Judiciário incumbe – como sublinhou maravilhosamente, com excepcional didática, Aliomar Baleeiro (RTJ 44/54) - a aplicação da lei, sem maior possibilidade de agregar, nesse processo, a vontade pessoal do órgão judiciário, então a vontade do Judiciário será sempre a tradução da vontade da lei. Se a lei emana dos órgãos da representação popular, a circunstância de não serem os juÃzes – e nem haver necessidade disso – mandatários do povo, ao contrário de desservir à s exigências do princÃpio republicano, serve-lhes excelentemente.” [1] (Sublinhamos)
Mesmo em rápida análise constata-se o manifesto contorcionismo intelectual para tentar justificar a usurpação. Já a falácia jurÃdica que o serve de muleta demanda lembrar alguns princÃpios que norteiam a aplicação das leis.
Primeiro, é princÃpio de hermenêutica jurÃdica que nenhuma lei é suficiente clara que não demande interpretação por parte do juiz[2].
Em seguida cabe aviventar que não sendo o direito uma ciência e sendo fenômeno intrinsecamente vinculado ao poder estará quem o aplique sujeito à tentação do abuso, como bem alertou Montesquieu.
Ademais, não pode ser esquecido que o cotidiano forense ensina que de todos as técnicas de interpretação construÃdas pelos hermeneutas a que mais tem aplicação não está mencionado em nenhum compêndio, a interpretação de má-fé, a interpretação astuciosa de documentos e textos legais.
Se o evento não é admitido publicamente nos livros jurÃdicos é muito conhecido por hermeneutas de outra área: os crÃticos literários admitem que todo leitor tem o direito de encontrar tudo aquilo que ele mesmo põe no texto que ler.
Este é o busÃlis da questão: se você pensa que tem direitos porque determinada lei votada pelos representantes do povo assim vocalizou está enganado; você terá o direito que o Judiciário disser que você tem, que pode ser nenhum, depois de interpreta-la.
Por ser completamente infenso aos princÃpios republicanos, seus membros detêm um Poder da República sem que o povo o tenha dado; nenhuma satisfação devem a quem quer que seja, interpretam a lei como lhes aprouver, “inventam” o conteúdo das leis contra qualquer regra por mais clara e lógica que esteja em qualquer diploma; existem para mandar, serem obedecidos, sem oposição e sem contrastes de qualquer natureza, sequer doutrinária.
Filho de outra realidade, da época em que vigia o Estado escravocrata e monarquista, continuou na República substancialmente intocado, mesmo que a realidade jurÃdica tenha mudado e abstratamente não tenhamos mais súditos e sim cidadãos.
Por deterem um Poder da República sem que o povo o tenha dado, seus membros são tão poderosos que tal poder só encontra paralelo se comparado ao poder dos demiurgos, constatada a natureza absoluta, sem contraste, sem controle e sem oposição – quando não estão servindo a interesses bastante mundanos.
Por enquanto os mortais vão suportando os caprichos dos deuses... Enquanto não descobrirem que são cidadãos e que vivem em uma República.
[1] ATALIBA, Geraldo. Constituição e República. 2ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1998. P. 112.
[2] “Se a lei for clara é dever do magistrado interpretá-la e aplica-la, apesar de não encontrar dificuldades. Se a lei for obscura ou ambÃgua deverá interpreta-la empregando certa engenhosidade intelectual.” DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007. P. 150.
Parabéns pelo ensaio jurÃdico percorrendo os caminhos da Teoria Geraldo do Estado. Mas em nosso direito positivo, alicerçado no Estado Democrático de Direito, a Constituição brasileira, fruto do esforço dos constituintes eleitos, traçou os Poderes da República atribuindo-lhes competências. E ao órgão judicante, como não poderia deixar de ser, coube exercer a função nobre da imparcialidade nos julgamentos dos feitos da sociedade, não obstante, por exemplo, o STF seja um tribunal de indicação polÃtica, e por isso, hoje, muito contestado.
ResponderExcluirAssim, entendo que o Poder Judiciário brasileiro, indiretamente, está submetido aos princÃpios republicanos e democráticos porque foi instituÃdo pela Constituição Federal, a qual foi elaborada por representantes do povo. É claro que as suas decisões não se submetem ao clamor social. Ma elas não podem desobedecer aos preceitos constitucionais.