sexta-feira, 19 de junho de 2020


                              A BAHIA PERDEU UM DE SEUS HERÓIS


                               

Eu e JOCA na Livraria Saraiva


JOCA, João Carlos Teixeira Gomes, faleceu ontem, quinta-feira, 18 de junho aqui em Salvador aos 84 anos de idade.  

Nesta foto que guardo com especial carinho estamos, eu e JOCA, em uma tarde de conversa sobre a vida, livros, política e amizade.

Foi uma conversa derramada, sobre o passado, o que mais me interessava, e sobre livros, mas volta e meia eu direcionava o papo para pessoas como Glauber Rocha, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro, que ele conhecia. JOCA não falava de desafetos, exceto do soba caboclo e com palavras reticentes.

Eu me sentia bem quando conversava com JOCA. Ele sabia muito de política, literatura, escreveu alguns romances, era poeta com muitos bons livros publicados, era também jornalista de uma linhagem em extinção, aqueles preocupados com os destinos do Brasil e de seu povo.

Foi apelidado por um jornalista do Rio de Janeiro como “O Pena de Aço”. Ele gostava do epíteto e o pessoal que servia o cafezinho na livraria Saraiva do Shopping Salvador, onde ele sempre estava nas tardes de quinta-feira, servia o café assinado: “Pena de Aço”.  

JOCA combatia o títere da ditadura em terras baianas e assinava, não gostava de usar pseudônimos. Esteve à frente do Jornal da Bahia até o início de seu melancólico fim no início dos anos 80. Este jornal foi fundado por João Falcão em 1957 depois que ele saiu do PCB em 1956 em razão dos chamados crimes de Stálin divulgados no XX Congresso do PCUS.  


Tinha uma coragem serena e quase suicida. Não se jactava de ter sido o mais duro e tenaz inimigo da ditadura no campo da luta esgrimindo a pena e sabia que enfrentara um inimigo capaz de cometer qualquer desgraça para alcançar a destruição de quem ele odiasse - assim era  o tristemente famoso ACM.

Quem não viveu na Bahia enquanto o tirano mandou não faz ideia de quem era ACM, o terror que implantava e por quaisquer meios. Enfrentar este soba caboclo no tempo da ditadura era afrontar um perigo real.

Em seu livro "MEMÓRIAS DAS TREVAS - Uma devassa na vida de Antonio Carlos Magalhães" ele narra que certa feita no auge do enfrentamento do soba caboclo e enquanto contornava o Dique do Tororó lhe ocorreu que a peleja com ACM era uma luta muito maior que eles dois, era a luta da liberdade contra a opressão, do bem contra o mal, tão velha e entranhada na natureza humana desde que existe ser humano.

O soba caboclo tentou encarcerar JOCA usando a Lei de Segurança Nacional mas como a ditadura minguava a Justiça Militar considerou excessivo usar esta lei em crimes contra a honra  e ele se livrou do processo pois a longa manus do aparelho repressivo se declarou incompetente para julgá-lo e na justiça comum os crimes imputados já estavam prescritos. 

JOCA não tem uma vida e uma obra menos importante que outros poetas baianos que se bateram pela liberdade e enfrentaram tiranos e tiranetes como Gregório de Matos, Cipriano Barata e Antonio de Castro Alves. Portanto, a ele deve ser reservado também um lugar no panteão dos heróis da Bahia.

Se o Governador Rui Costa tivesse colhões decretaria luto oficial por três dias com bandeiras a meio mastro em homenagem justa a este baiano que com desassombro ímpar se bateu pela liberdade.

Nosso governador Rui Costa é uma pessoa boa mas é um homem fraco e sem referenciais ideológicos e culturais e dele não sairá sobre JOCA sequer uma destas notas que mais parecem com uma garapa.

Consola-me saber que enquanto existirem homens que amem a liberdade e se preocupem com os destinos do Brasil e de seu povo JOCA será lembrado.