quinta-feira, 29 de setembro de 2022

   O SEGUNDO ÉPICO





Terminei de ler o livro LAMARCA - O CAPITÃO DA GUERRILHA, de Emiliano e Oldack. 


É a terceira vez que leio este livro, agora em 17ª edição, com mais de cem páginas acrescentadas e com mais informações colhidas pela CNV - Comissão Nacional da Verdade -  e pelos próprios autores depois do fim da ditadura.


É um livro que trata do segundo épico da história do Brasil, a luta de civis contra o Exército na luta armada contra a ditadura instalada pelos criminosos que assaltaram o governo Federal em 1964. O primeiro foi o massacre ocorrido em Canudos e perpetuado no livro OS SERTÕES, de Euclides da Cunha.


Nos dois épicos, o covarde, bandido e ladrão de vidas dos brasileiros foi o Exército; nos dois houve um recontro de forças absurdamente desiguais e a coragem dos civis foi até o fim, "Canudos não se rendeu", nem Lamarca, nem Zequinha, nem Carlos Eugênio, nem Franklin Martins, nem Zé Dirceu, nem Benjamim Ferreira e nem muitos outros mais.


O livro esclarece alguns fatos, por exemplo, a reconstrução da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária -  no mesmo congresso de fusão com a VAR-Palmares - Vanguarda Armada Revolucionária. Iniciado em 1º de setembro de 1969, o Congresso de Teresópolis durou quase 30 dias e tinha 22 delegados.


Tensão e desconfiança brotavam do ambiente e durante as discussões das teses políticas um nervo foi exposto, e como sempre, dizia respeito a divergências de estratégia e tática: o Capitão Lamarca, Cláudio Marinheiro e outros companheiros pressionavam pelo começo imediato da coluna guerrilheira no campo. O outro grupo não pensava exatamente assim e recordava que sem a classe operária como protagonista não haveria Revolução proletária.


Para o primeiro grupo isto significava procrastinar a luta armada no campo e decidiu refundar imediatamente a VPR. Os nervos estavam à flor da pele e com armas ao alcance das mãos para reforçar argumentos, dois companheiros se desentenderam e apontaram armas um para o outro, Nóbrega e Espinosa. Foi assim que o Congresso quase termina em troca de tiros entre guerrilheiros.


Outro fato que eu não conhecia o desenrolar é também esclarecido, a causa do desentendimento entre Marighella e Lamarca depois que este saiu do quartel de Quitaúna levando 63 fuzis FAL, metralhadoras e muita munição.


Marighella não quis devolver as armas, das quais ficou como depositário, e o Capitão Lamarca as queria de volta a qualquer custo, para tanto ele e Cláudio Marinheiro fizeram uma expedição a um aparelho onde ficava Marighella, que no momento não estava, mas encontraram Toledo, Joaquim Câmara Ferreira, e quando este  disse que as armas já estavam no campo, se negando a devolvê-las  ao Capitão, este enfiou o cano da pistola 45 na boca do velho comunista e bradou: queremos as armas ou alguns miolos serão estourados, os seus, os de Marighella e  de todo mundo.  


Marighella devolveu apenas a metade das armas e Lamarca jamais voltou a confiar nele. Que coisa feia o guerrilheiro baiano fez e ainda deixou que as coisas se resolvessem desta maneira.


Este segundo épico está esperando o Euclides para fazer a obra à altura dos fatos, da grandeza e coragem de seus participantes. Que leia tudo sobre a luta armada contra a ditadura instalada em 1964, entreviste os sobreviventes e faça a grande obra de síntese.


Lamarca e Zequinha foram assassinados covardemente nos sertões da Bahia em 17 de setembro de 1971, o Capitão primeiramente com três tiros disparados em suas costas; depois mais quatro pela frente, a curta distância. Zequinha enfrentou seu assassino, que estava armado com uma metralhadora, atirando nele uma pedra. Não se renderam.