quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quem tem o poder escreve o direito


               
A inovação do ordenamento jurídico com a introdução de uma nova lei, uma nova fonte do direito, é o resultado da luta política, pois é pela política que se maneja o poder e se faz leis inovando o direito. 

Reduzir os instrumentos de ação da luta política utilizada pelos movimentos sociais como as ocupações temporárias de prédios e de vias públicas é negar aos movimentos sociais o direito de expressão e organização para tentar aperfeiçoar a ordem jurídica retirando-lhes a tática mais efetiva

Utilizar a legislação de maneira repressiva para calar reivindicações de natureza política é forçar a interpretação das leis para favorecer uma determinada classe ou grupo social que não quer a inovação do ordenamento jurídico pelo tencionamento político. 

A diferença haverá de ser feita por juízes e Tribunais entre o tencionamento político e reivindicatório e o simples atentado à ordem jurídica sob pena de se usar o direito para obstar o aperfeiçoamento da ordem jurídica impedindo o protagonismo político da sociedade que conduz à inovação das fontes do direito pela produção de novas leis mais justas e universalizantes de direitos.

A atuação política através dos partidos ou dos movimentos sociais é para tencionar e partilhar o poder. Este protagonismo provém do fato de ser o poder o resultado das relações sociais - todo poder pertence à sociedade, ao povo -, e daí pertencer aos grupos e classes sociais o atributo de pôr-se em movimento para partilhar o poder e escrever o direito.  

Distribuição de renda é distribuição de poder

O mercado é um ente jurídico; tudo o que nele circula é regulado por leis,  do papel-moeda às mercadorias incluindo a oferta e a prestação dos serviços. Vejamos como exemplos: a CLT regula a venda e a compra da força de trabalho; a Lei Nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, instituiu  o Programa Bolsa Família; o CDC, Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, cuida da proteção e defesa do consumidor; a Lei Nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, é a lei anti-truste para assegurar a concorrência, etc.

Desta maneira a distribuição da renda, de tudo aquilo que circula pelo mercado, é resultado da correlação das forças políticas - em choques e em coalizões -, existentes na sociedade pugnando para escrever o direito.

Por que tem que ser assim? Porque quem escreve e efetiva o direito é quem tem o poder. A luta pelo do poder é a luta política pelo direito.

O Poder Judiciário

Na luta pelo direito não basta escrever boas leis, é indispensável dá-lhes validade fática, aplicação, e no Estado Democrático de Direito a função de dar execução coercitivamente às normas jurídicas é atribuída ao Judiciário.

Uma vez que não basta ter o direito, tornando-se indispensável um Judiciário que o assegure, um Judiciário que imprima validade fática às leis em uma fração de tempo razoável na duração do processo e prolate decisões justas em sentido material, isto é, de acordo com a prova e com o direito posto, é essencial aos cidadãos. 

Contudo, quem tem o mínimo contato com o Judiciário ou quem mesmo precisou dele uma única vez conhece o Judiciário que temos: injusto e lerdo

A história do Judiciário o condena

Mas não é para menos, a história do Judiciário o condena. Sua estrutura tem sido mantida substancialmente intocado mesmo com a Proclamação da República em 1889; traz consigo o Judiciário brasileiro as mesmas características de quando compunha o Estado monarquista e escravocrata.

Em termos estruturais assemelha-se a uma corporação; os juízes - como os aprendizes das antigas corporações de ofício -, estão nas mãos dos Desembargadores, que controlam suas carreiras como os antigos mestres de ofício controlavam os aprendizes; qualquer deslize, ato ou comentário descuidado, que demonstre a mínima autonomia e suas carreiras serão dificultadas  ou mesmo obstada a ascensão.

O ingresso no poder Judiciário também assemelha-se ao acesso que um aprendiz tinha a um ofício. É o único Poder da República Federativa do Brasil em que seus membros não se submetem ao princípio republicano da periodicidade em aberto desafio ao quanto iserto no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal: “Toda poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Anote-se que o único órgão judicante em completo alinhamento com este mandamento democrático e republicano é o Tribunal do Júri, o soberano, o povo julga as demandas que lhe são propostas.

O Direito como técnica de controle social

Como corporação o Poder Judiciário é um corpo estranho na estrutura da República. 

É constatável por qualquer observador razoavelmente treinado que no Brasil juízes, promotores, delegados e policiais têm aversão a movimentos sociais, partidos e pessoas de esquerda.  Por que? A verdade é que todos os que gravitam na órbita do Judiciário se deixam contaminar pelo bafio de um Poder fora do controle dos princípios democráticos, e por isso em  atrito com a soberania popular usurpada pelo acesso de seus membros a um Poder da República.

Ajunte-se a isso o fato de que a atividade de aplicar e interpretar leis não é uma ciência; o direito sob qualquer ponto de vista que se olhe não é uma ciência, e sob o ponto de vista de sua finalidade é uma técnica de controle social.

Como técnica de controle social a força desnuda das ditaduras é a forma menos eficiente da elite dirigente se manter no poder, daí a necessidade do poder revestir–se do direito. E revestir o direito da astúcia da interpretação.

Assim, a forma mais eficiente de se negar direitos é pela astúcia da interpretação.  Vejamos um exemplo de como esta corporação fricciona com a sociedade civil e suas classes subalternas, máxime com seus mais ativos cidadãos. Durante a ditadura militar (1964-1985) em que o regime republicano foi na prática abolido à vista de que foi suprimido o princípio da tripartição do poder e os direitos individuais solapados os membros do Poder Judiciário atuavam como se estivessem vivendo em um país democrático, aplicavam os famigerados decretos-leis, atos institucionais e leis aprovadas por decurso de prazo sem o menor resíduo de consciência ética, o Poder que exerciam não colidia com a ilegalidade dos atos dos usurpadores do poder, a astúcia da interpretação da legislação de fato permitia tudo.

CONCLUSÃO

Os movimentos sociais e os demais protagonistas políticos que lutam pelo direito para distribuir o poder e a renda escrevendo o direito encontram no Poder Judiciário tal como se encontra um entrave porque este não assegura direitos já conquistados dando validade fática às leis.

Pela natureza corporativa herdada do Estado monarquista e escravocrata substancialmente intocada - mesmo passados mais de 100 anos de República -, o Judiciário se torna vulnerável a desvios de conduta de seus membros, como soe acontecer em todas as corporações. 

Além disso, esta natureza corporativa o torna um corpo estranho na República porquanto é o único Poder da República que não se submete aos princípios democráticos - exceto a fração da competência atribuída ao Tribunal do Júri, como antedito -, colocando-se em franca colisão com a parte mais ativa da sociedade para ao valer-se da astúcia interpretativa favorecer os que lutam pelo poder para manter a concentração da renda e deter o protagonismo político dos movimentos sociais e conquistas jurídicas pela criação de novas leis.

Em síntese, submeter o Poder Judiciário aos princípios republicanos e democráticos pela ampliação da competência do Tribunal do Júri é estratégico para a sociedade visto que assim imprimirá validade fática às leis tornando efetivo o Estado Democrático de Direito, que por sua natureza não impedirá novas conquistas jurídicas. 

Um comentário:

  1. Parabéns Brasileiro pela profunda reflexão, pessoalmente acredito que todo este processo se estende em nossa sociedade por conta do baixo indice de letramento dos administrados, somente através da educação poderemos fazer uma verdadeira revolução em nossa sociedade, repercutindo no fortalecimento das instituições e da democracia.

    Saudações,

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