terça-feira, 31 de março de 2020


                          NUNCA MAIS



                          O golpe militar de 1964 e o Brasil: passado e presente – Blog da ...


Hoje é o dia que antecede o golpe de Estado de 1º de abril de 1964. Logo abaixo está um ótimo texto de Regina Monteiro [1]. É excepcionalmente bom porque nos mostra o dia-a-dia dos cidadãos sob uma ditadura.

Esta reconstrução de afetos, sentimentos e vivências mas sem esquecer a onipresença de um governo de força escapa aos historiadores, sociólogos e até aos relatos memorialísticos de quem combateu a ditadura no Brasil.

Este é um grande problema de historiadores, sociólogos e cientistas sociais: transformar eventos como uma ditadura em matemática, em teses, abstrações, para as gerações que não presenciaram o que é viver sob um governo que se fia na violência e só poderão conhecer o que aconteceu pela reconstrução e análise.

A vigilância diuturna sobre os cidadãos pelos órgãos da repressão, a violência física e psicológica, a intimidação pela tortura, os puxa-sacos fazendo carreira da maneira mais abjeta, a covardia e a ignorância como trunfo para sobreviver não podem ser vistas como banalidade.

A sociedade brasileira foi vergada e rastejou; todas as instituições medraram - Congresso Nacional, Ministério Público, Judiciário, OAB, igrejas protestantes -, quando não colaboram abertamente tal como a Maçonaria e o próprio Ministério Público.

Mas a verdade tem que ser dita, a ditadura não precisou de muito esforço para vergar a sociedade quase toda pois bastava a simples ameaça de retirar o emprego para pôr de joelho uma imensidão de gente.

Quem salvou a honra deste país não se vergou, procurou o exílio, a clandestinidade para atuar contra a infame e muitos saíram para a luta armada como Franklin Martins, Carlos Eugênio, Marighella, Toledo, Carlos Lamarca e muitos outros.

Uma banda da Igreja Católica não se deixou intimidar, alguns bispos como D. Arns e D. Helder Câmara resistiram, também ajudou não poder a ditadura retirar o emprego dos padres.

Nota

[1]

Por Regina Monteiro

“...Memória de um tempo em que lutar por seus direitos era um defeito que mata..” (Gonzaguinha)

Ainda dói...
Há datas que não devem ser comemoradas. Não, de jeito algum! Mas, precisam ser lembradas, sempre. Nunca poderão ser esquecidas. Pois, representam os erros da humanidade, a dor, o silêncio e a morte. Certas histórias não podem se repetir. NUNCA!
No Brasil, o maior exemplo é o dia 31 de março de 1964 quando os limitares deram um golpe e assaltaram o poder. Implantaram uma das piores ditaduras da América do Sul, extinguindo a democracia e implantando o terror.

Eu era uma criancinha de apenas 5 anos e me lembro daquele dia.... Lembro-me, principalmente, do medo que pairava no ar. Meu pai chegou em casa do trabalho mais cedo. Seu rosto estava marcado pela angústia e apreensão. Como meus tios, meus pais reuniram-se na casa de meus avós.

Lembro-me perfeitamente da ira de meu avô. Nossa, como me lembro! Ele espumava de raiva, esmurrava as paredes, xingava, gritava e dizia coisas sobre os militares da época que não posso repetir... por respeito aos amigos do Facebook.

Bem, cresci durante este triste período. Um dia, quando tinha 10 anos e cursava o primário, minha mãe foi me buscar na saída da escola, que ficava localizada em uma importante avenida no subúrbio do RJ. Estava anoitecendo e de repente nos vimos em meio a um grande confronto - os jovens estudantes enfrentavam a polícia do exército nas ruas. Minha mãe estava apavorada e tentava proteger a mim e meu irmão. Foi um horror! As cenas da violência policial nunca saíram de minha memória. A cavalaria da polícia passava por cima de rapazes e moças que apanhavam muito... Foi horrível. Durante muito tempo tive pesadelos todas as noites.

Após completar o primário, entrei no curso ginasial de uma escola pública e senti na pele o que era o regime militar. Basta dizer que meu diretor era um militar (não me lembro a sua patente). Ele impunha uma disciplina com mãos de ferro. Tudo era absurdo, censurado e todos vigiados. A pior recordação durante essa época foi a prisão de minha querida professora de história em sala de aula. Eu tinha 13 anos e nunca mais ouvi falar na professora Ana Maria. Os sussurros dos corredores da escola diziam que ela foi presa por ser ‘comunista’. Comunista? O que era comunista?

Na verdade, com o tempo compreendi que classificavam de ‘comunistas’ todos que não concordavam com o regime militar. Só isso. Foi aí que o tema começou a me interessar, para desespero de meus pais. Muitos livros foram queimados e a leitura estava proibida.

Entretanto, eu sempre dava um jeitinho de lê-los. Daí, achei o meu caminho. Aos 16 anos eu já sabia quais eram as minhas bandeiras.
A cada dia eu detestava mais a ditadura. Dei-me conta, inclusive, que muitos fatos que marcaram a história do Brasil, como as revoltas populares, foram suprimidos do currículo escolar.

Aos 18 anos cheguei à Universidade e ingressei no Movimento Estudantil. Participava de passeatas, da Campanha pela Anistia, assistia palestras sobre o direito das mulheres, filmes, shows dos artistas da resistência, enfim, estava envolvida até a raiz dos cabelos. E mesmo assim era uma excelente aluna.

Apesar dos anos de chumbo, do medo, das prisões e da tortura, foi na Universidade que vivi uma das melhores fases de minha vida, pelos amigos que conquistei. Tenho excelentes recordações.

Hoje, tenho consciência de tudo que me foi roubado pelo regime militar, como por exemplo: o amor pelo meu País, educação de qualidade, os amigos que desapareceram, amigos que foram presos e torturados, a liberdade de expressão, o direito ao voto e muito mais.
Quando a ditadura ruiu, meus filhos Juliana e Caetano já haviam nascido.

Passei a infância e a juventude vivendo sob o medo, a censura e o ódio. Medo que hoje me recuso a ter. Sei que muitos pensam que é bobagem, rancor e revanchismo falar desse período que manchou de sangue a história do País. Mas saibam que não é, não mesmo. É preciso contar a história para que nunca mais se repita.

Hoje, tenho o maior orgulho de ser brasileira, de ter vivido tudo o que vivi, das lutas que travei, de amar a liberdade e a democracia.
Meus filhos também têm orgulho de minha história, o que me dá uma imensa alegria.

Hoje, vivo sem medo de ser feliz.
Escrevi este texto em 2014. Hoje, o medo voltou.
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