segunda-feira, 1 de abril de 2013

AS MARCAS INDELÉVEIS DA DITADURA


       

Hoje, 1º de abril de 2013, faz 49 anos da ocorrência do golpe militar que mergulhou o país na mais perversa ditadura do período republicano. 

Em um levantamento provisório e estimado por baixo, enquanto durou o regime de banditismo oficial aproximadamente 50 mil pessoas passaram por prisões por motivos políticos, aproximadamente 20 mil foram submetidas a torturas, 360 militantes de esquerda foram assassinados, somados os mortos e os desaparecidos (levantamento atualizado aponta 379), 11 mil indiciados e processados em 800 processos por crimes contra a segurança nacional, centenas de condenações a penas de prisão, 4 condenações a pena de morte, 130 banidos, 780 cassações de direitos políticos por dez anos, milhares de exilados, incontáveis reformas, aposentadorias compulsórias, e exoneração do serviço público por atos arbitrários dos detentores do poder.[1]      

Estes dados estatísticos são significativos mas não revelam toda a extensão do dano causado à sociedade no que diz respeito ao estiolamento das instituições, humilhação, escárnio e terror pelos quais passaram várias gerações enquanto durou a ditadura.    

O Exército ao tomar o poder com o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 e instalar uma ditadura contra o povo se voltou contra a sociedade, principalmente contra os cidadãos altivos, que passaram a ser tratados como inimigos declarados ou olhados com hostilidade e suspeição pelos usurpadores do poder.

Uma ditadura para justificar sua violência precisa de inimigos, reais ou inventados, e para tanto, espezinha, desafia e provoca os cidadãos para a briga. Os mais altivos combatem-na com todos os meios e armas disponíveis, como deve ser.


Foi assim inventando inimigos, desafiando e espezinhando os cidadãos que a ditadura dos militares subjugou todas as instituições da sociedade brasileira não obstante os fatos demonstrarem que o golpe teve um nítido viés classista. As centrais sindicais da época, PUA – Pacto de Unidade e Ação -, e CGT – Comando Geral dos Trabalhadores – logo após o golpe foram postas na ilegalidade. Em 21 anos de ditadura mais de 3.000 sindicatos foram fechados e colocados sob intervenção, nenhum era do patronato ou dirigido por sindicalistas corruptos.

Não devemos jamais esquecer que abolido o direito de greve pela ditadura, a massa assalariada ficou submetida a regime de trabalho semi-escravo, constatada a impossibilidade de organização sindical.

Instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, Congresso Nacional, sucumbiram todas, exceto parte da Igreja Católica - aquela fração que não apoiou o golpe -, isto porque os militares não podiam retirar os empregos de padres, bispos ou cardeais. 

 O ponto final posto à ditadura foi obra do próprio Exército, e como é sabido, a tentativa civil de derrotá-la, apesar de todo heroísmo e desprendimento não foi bem sucedida. Com o fim da ditadura (1964-1985) o Exército foi taticamente derrotado, sua ala denominada de “linha dura” foi enquadrada e aquartelada pelo “grupo da Sorbonne” ou castelistas, seguidores de Castelo Branco (1964-67), alijados do poder com a ascensão de Costa e Silva (1967-69) e Médici (1969-74), que retornaram ao poder com Geisel (1974-79).

O grupo castelista liderado por Geisel e Golbery - os mesmos que tinham conspirado para depor Jango atentando contra a democracia e a República -, voltou ao poder para retirar o Exército da entalada em que tinha entrado: tomar o poder golpeando a soberania popular, fazer uma ditadura pondo-se contra o povo e não ter prazo e nem saber como sair do poder sem ter culpabilizados pelos desmandos e crimes de diversas naturezas.  

Foi desta maneira que o Exército foi taticamente derrotado mas estrategicamente vencedor pois a longo prazo a sociedade brasileira estaria grandemente moldada nos termos almejados pelos assaltantes do poder em 1964: “A essência das ditaduras não está naquilo que elas fazem para se perpetuar, mas naquilo que a partir de certo momento já não precisam fazer.”[2]

Os danos morais – covardia, delação, puxa-saquismo


É desta maneira que se pode entender que uma ditadura não termina com seu fim oficial, suas marcas e danos causados às instituições, valores e psicologia social permanecem por muito tempo, tanto no sentido de repulsa como de permanência do que foi inoculado à força no tecido social. 

Sabedor de que o poder tem origem psico-sociais, o Exército aplicou-se em moldar e criar novos hábitos, costumes, moral e psicologia de massas para obter algum consentimento do povo. Assim, valeu-se largamente da cenoura e do porrete para formar o tipo de cidadão que servia à perfeição para seu desiderato ditatorial. Quem não se deixasse submeter pela força das armas teria que está disposto a morrer, ser torturado, cumprir longas penas ou passar por processos administrativos e judiciais humilhantes ou buscar rapidamente o caminho do exílio.

É sabido que a consciência cívica de que os detentores do poder não podem exercê-lo de maneira tirânica - algozes do cidadão a lhe suprimir direitos fundamentais e infligir tormentos e humilhações -, dificilmente está ao alcance de analfabetos e semi-analfabetos.

Deste modo, a ditadura iniciou de imediato a perseguição a artistas, cientistas, intelectuais e o desmonte da escola pública, começando por lhe retirar a qualidade por todos os meios possíveis, da destruição da carreira de professor pelo aviltamento dos salários à supressão de métodos que imprimiam melhor qualidade ao ensino, coisas que até hoje, passados vinte e quatro anos do fim oficial da infame ainda não foram recuperadas.   

Para impor o medo e controlar a sociedade pela coação o Exército turbinou seu próprio aparato de espionagem e repressão, a chamada 2ª Seção, organizando os DOI-CODI’s, mas acima de tudo para este serviço sujo contou com as polícias civis e militares, a polícia federal e as famigeradas DOPS – Delegacias de Ordem Política e Social.  

Mesmo se valendo da força para se impor aos opositores pela tortura, ameaça ou assassinato, para pôr de joelhos, intimidar ou aniquilar os que não se deixavam submeter, a delação, a subserviência e a bajulação foram incentivadas e premiadas ao máximo pelos usurpadores do poder.  

O Exército sabia que sem uma corrente de apoio de incontáveis puxa-sacos nenhuma ditadura se firma. Foi este tipo de cidadão, o puxa-saco, que caiu nas graças do Exército, que obteve emprego no Estado sem concurso público, financiamento com juros subsidiados e todos os tipos de benesses usados pela ditadura para cooptar e obter alguma legitimidade.

Estes métodos usados pela ditadura para obter o silêncio dos cidadãos marcou profundamente a sociedade brasileira, formando várias gerações de cidadãos subservientes, sem altivez, malandros, safados; é o que temos hoje em larga escala do espectro social, a contagiar como peste partidos políticos, empresas e demais ambientes sociais.

Este tipo de cidadão não tem fibra nem altivez para opor-se a qualquer ditadura; subserviente, bajulador, semi-analfabeto e malandro, não lhe afeta as humilhações pelas quais passa uma pessoa desonesta nem os ultrajes impostos pelas autoridades em um regime que viola os DIREITOS HUMANOS; raciocina que caso se mostre servil poderá safar-se ou até retirar algum proveito. É a cereja do bolo do tipo de cidadão que a ditadura cultivava em seu celeiro com cenoura e porrete.

Contudo, para desalento dos criminosos que assaltaram o poder, seus sequazes e viúvas, ficaram exemplos de resistência tenaz incorporados ao repertório dos movimentos sociais e políticos. Pela primeira vez na história do Brasil uma ditadura foi enfrentada por civis que decidiram se insurgir pela luta armada e não se deixar subjugar sem luta ou até mesmo preferir a morte a se deixar pôr de joelhos por seus algozes.

Cidadãos como o baiano Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, Franklin Martins, Ricardo Zaratini, Cap. Carlos Lamarca, Zequinha Barreto, João Leonardo Rocha, Carlos Eugênio da Paz, Osvaldo Orlando da Costa, Inês Etiene Romeu, Aurora Nascimento Furtado, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, e tantos outros, milhares, ofereceram a mais tenaz resistência ao terror de Estado que se abateu sobre a República. 

O sangue derramado e o sacrifício destes brasileiros não foi em vão, o exemplo de resistência ficou e contagiou. Outra ditadura: NUNCA MAIS.





[1] GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo. Ed. Ática. 6ª ed., 2ª impressão. P. 269-70.
[2] GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo. Companhia das Letras. 2002. P. 232.

Um comentário:

  1. Olá Dr. BRASILEIRO,

    Lembremos que, foi mais porrete do que cenoura.

    Você já está preparado para escrever o seu
    livro SOBRE ESTE assunto em que você é PHD.
    ABRAÇOS GONÇALVES

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