quinta-feira, 18 de maio de 2023

                                         FALECEU THEODOMIRO

 

Theodomiro Romeiro (esquerda) e Paulo Pontes durante julgamento em 1971 | Foto: Paulo Biccas/Tribuna da Bahia


Domingo, 14 de maio do ano corrente, faleceu Theodomiro Romeiro dos Santos. Eu era ainda muito jovem quando tomei conhecimento de sua história, o ano era 1978 e a campanha pela anistia tinha ganhado as ruas do país.

Theodomiro cumpria pena na penitenciária Lemos Brito aqui em Salvador, BA, na condição de preso político pois em 27 de outubro de 1970 tinha sido vítima de uma tentativa de sequestro por parte de um bando armado, pistoleiros da ditadura, para ser torturado ou morto na tentativa de extraírem informações sobre o partido, PCBR, e os companheiros.

O bando não tinha mandado judicial, nenhum do bando sequer se identificou ou qualquer deles deu voz de prisão, de pronto agarraram ele e Paulo Pontes e imediatamente os jogaram em um jipe da Aeronáutica. Theo resistiu e atirou em dois, um deles morreu e o outro ficou ferido, o que faleceu era sargento da força aérea e o outro da polícia federal.

A tentativa de sequestro de Theo e de Paulo Pontes e a morte do militar aconteceram no entorno do Dique do Tororó, em Salvador, BA, onde hoje tem um viaduto. Ali mesmo quase foram trucidados. Um dos componentes do bando fez disparo contra a cabeça de Paulo Pontes mas a má qualidade da munição o salvou da morte certa. Theo estava com dezoito anos de idade.

As circunstâncias induzem a pensar que a morte do sargento os salvou da morte pois à medida que o tempo passava mais difícil se tornava ocultar a prisão dos dois e além do mais uma explicação precisava ser dada para a morte do militar, que fazia um servicinho extra.

Em depoimento à Comissão Estadual da Verdade aqui em Salvador Theodomiro disse que reagiu porque preferiu morrer por tiros que ter a mesma morte de Mário Alves, secretário geral do PCBR que foi assassinado dentro das dependências do Exército no Rio de Janeiro em um suplício medieval, foi empalado.

Deram fim em seu corpo para tentar ocultar o crime bárbaro e até hoje a família não teve oportunidade de dar um sepultamento decente a seus restos mortais. Esta mácula o Exército brasileiro jamais apagará de si, arcará com o peso do assassinato infame e covarde. 

Em um simulacro de processo na Justiça Militar Theodomiro foi condenado à morte, depois comutaram a pena para prisão perpétua, depois trinta anos e por último para dez anos e quatro meses, isto depois da nova lei de segurança nacional da época.

Seus advogados em uma luta incansável e destemida requereram a progressão de regime, a liberdade condicional, que pode ser requerida depois cumprido um terço da pena. Negaram. Ele já tinha cumprido mais de nove anos da pena.

Tudo era muito óbvio pois com a anistia que se avizinhava todos os outros presos políticos ganhariam a liberdade e Theodomiro ficaria só em um ambiente controlado pela meganha. Seria assassinado. Todos sabiam que a Justiça Militar era um braço dos órgãos da repressão aos que resistiram à ditadura instalada com o golpe de Estado de 1964 e seria cúmplice do crime.

Foi nestas condições que Theodomiro empreendeu a busca de sua liberdade no dia 17 de agosto de 1979, onze dias antes da anistia concedida em 28 de agosto do mesmo ano. Seu partido jamais o abandonou, o PCBR chamou para si a responsabilidade da fuga até sua chegada na Nunciatura Apostólica, o equivalente a embaixada do Vaticano em Brasília, de lá foi para o México e depois para a França.

Voltou ao Brasil em 1985 com o fim da ditadura, fez o curso de Direito na UFPE, em seguida foi aprovado em concurso para juiz do trabalho, função em que se aposentou.

Jamais renegou seu passado de jovem guerrilheiro combatente da ditadura e defensor do socialismo. Quando esteve em Salvador para depor na Comissão Estadual da Verdade eu conversei com ele. Irradiava simpatia, serenidade e determinação resoluta: me contou que tinha uma pistola e a cada dois anos ia renovar o porte da arma no Exército. Penso eu: quem quisesse fazer alguma retaliação teria certeza que ele iria se defender.

Quem combateu a ditadura defendeu o interesse público, o interesse de todos, pois a infame era ilegítima, um governo de fato, como todo governo baseado na força, e ilegal, as autoridades agiam arbitrariamente, vigia o crime como forma de governar.

Theodomiro morreu serenamente, depois das consequências de um AVC hemorrágico, no seio de sua família e muito estimado por seus companheiros de luta política contra a ditadura.  

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