sábado, 11 de janeiro de 2014

O JUDICIÁRIO USADO PARA PERSEGUIR




Raciocinando por analogia e considerando que o Estado brasileiro é um corpo humano, concluo que o Poder Judiciário é o câncer e a aids a atacar sua saúde. Faccioso, lerdo, corrupto, classista, pois sempre disposto a dar tratamento diferenciado em face do poder econômico, o Judiciário através de seu mais elevado Tribunal, o STF, mostrou sua face deixando cair de vez a máscara no julgamento da Ação Penal 470, chamado pela mídia golpista de "mensalão".

As condenações cometidas pelo STF contra o Partido dos Trabalhadores ao condenar alguns de seus destacados dirigentes - Zé Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha e Delúbio Soares - é o equivalente a uma doença grave porque prova o fracasso do Judiciário brasileiro como instituição a zelar pela aplicação das normas insertas na Constituição, a principal lei do Estado brasileiro. 

As condenações dos cidadãos mencionados, aguerridos adversários políticos da classe dominante, como já é do conhecimento de todos não têm suporte na verdade factual, não existem provas, como é o caso de Zé Dirceu; ou contra as provas da inocência, como é o caso de Pizzolato, isto sem contar o desdém por garantias processuais de natureza constitucional tais como o duplo grau de jurisdição para réus sem prerrogativa de foro.

O naufrágio de uma instituição da importância do Judiciário é algo muito grave para uma nação pois a maneira até agora encontrada para resolver os problemas causados pelos homens constatados como decorrentes da organização social foi a criação ou o aperfeiçoamento das instituições. Da criação do Estado-nação até o seguro-desemprego, previdência social ou bolsa família, vê-se a tentativa de por meio de instituições minorar problemas ou resolvê-los.

A tripartição das funções estatais em Judicial, Legislativa e Executiva foi o passo mais avançado para assegurar a maior conquista do processo civilizatório, a legalidade, o império da lei, e por conseguinte para o aprimoramento da instituição que zela pela execução das leis, o Poder Judiciário. 

Criado inicialmente como um dique para conter as arbitrariedades das autoridades, o princípio da legalidade estrita passou a ser o principal critério para extremar as ditaduras das democracias: se os governantes e demais autoridades como juízes, delegados, cobradores de impostos (fisco), cumprem as leis existe o Estado de Direito, democracia; caso contrário, prevalecendo a arbitrariedade das autoridades em aberto insulto às leis existe ditadura.

Até aí tudo bem, Estado de Direito e ditadura apartados e facilmente perceptíveis. O problema é o "tapa com mão de gato", a existência apenas formal de Estado de Direito, leis que não são aplicadas ou só aplicadas contra determinados criminosos ou contra determinada faixa da população, como por exemplo, trabalhadores, esquerdistas, ladrões pobres, imigrantes, negros ou
farsas jurídicas com apenas as esfarrapadas vestes de legalidade, tal é o caso do julgamento da AP 470.

O princípio da legalidade é uma conquista da civilização, como já se constatou, mas sua efetivação também o é mais ainda pois sem execução do quanto contido nas leis o Estado Democrático de Direito é apenas uma ficção para embair incautos.


Assim, construir um Poder Judiciário que seja imparcial e célere na aplicação das normas contidas nas leis é o resultado de muitos embates. Aliás, nada até agora conquistado em termos de organização social o foi sem lutas, guerras até, pois sempre existem os que defendem privilégios (sem a luta contra a escravidão até hoje esta existiria) e interesses agindo como inimigos e não como adversários na luta política democrática.
 
Meu enorme pesar ao contemplar os dejetos desta cloaca chamada Judiciário lançados
contra si próprio advém da constatação de que  não vislumbro a existência de outro caminho para equacionamento dos problemas decorrentes da vida em sociedade que dispense a criação de normas que limitem condutas nocivas, universalize direitos e proteja os cidadãos contra a arbitrariedade das autoridades e dos ricos e muitos ricos.

Contudo, não tenho dúvidas que não é suficiente boas leis, que assegurem direitos e garantias, pois sem a execução plena das mesmas as conquistas viram abstrações, mera formalidade, espelho para enganar índios e para perseguir inimigos, os de sempre, esquerdistas, trabalhadores, marginais da ralé, indivíduos que não se ajustam aos padrões morais de quem está no poder.

A dimensão do fracasso do Poder Judiciário em efetivar as normas contidas nas leis é a dimensão de nossa incapacidade, transitória, espero, de construimos uma instituição vital para relações sociais civilizadas pois é indiscutível que o processo civilizatório tem avançado pela criação de instituições, extinção de outras tantas e aperfeiçoamento constante das que permanecerem, para conter o lado negativo da natureza humana propenso a cometer atos cruéis e a abusar do poder.

No Brasil, sem aperfeiçoarmos a função estatal judiciária, encarregada de dar execução às leis teremos uma democracia de fachada, apenas formal, e uma ditadura efetiva, a lei da selva, a pura arbitrariedade das autoridades a atacar os bolsos dos cidadãos e perseguir inimigos infligindo-lhe os piores tormentos. 


Defendo que a única alternativa para termos um Judiciário que efetive as leis com celeridade e justiça nas decisões com base nas provas só virá quando for ampliada a competência do Tribunal do Júri para as demandas cíveis e para todos os crimes. Hoje o Júri, a sociedade, julga apenas o mais grave crime, o homicídio doloso.  E como é sabido, quem pode o mais pode o menos...

Em uma democracia o soberano é o povo pois o poder decorre das relações sociais. Desta maneira o poder de julgar e fazer justiça em uma democracia jamais deve ser transferido a outrem, sequer por mandato, menos ainda por concurso público, pois só o soberano terá legitimidade para aplicar penas e despojar um cidadão de seus bens.

Observado do ângulo da celeridade do processo tenho como certo que só com a substituição da magistratura monocrática como órgão judicante pelo Tribunal do Júri será possível a tão buscada rapidez pois só assim será factível a simplificação dos ritos processuais e por conseguinte dos códigos de processo civil e penal. 

Pelo que presenciei nos julgamentos efetuados pelo Tribunal do Júri o Tribunal Popular julga muito bem, fazendo justiça em sentido material, isto é, com decisões amparadas nas provas, que, averbe-se, passam pelo mais acirrado teste de sobrevivência face a face com o órgão judicante, o Conselho de Sentença.  


Sem um Judiciário que efetive as leis assegurando os direitos não existe democracia, mas ditadura disfarçada, e como disse Montesquieu [1]: "Nos Estados despóticos, não existe lei; a regra é o próprio juiz."

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[1] MONTESQUIEU,  DO ESPÍRITO DAS LEIS. Abril Cultural S.A 1ª edição, 1973, São Paulo, p. 91.

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