A condenação de José Dirceu causou um
grande dano ao Partido dos Trabalhadores; alguns tinham esperança de que não
ocorresse, mas quem conhece um pouco o Poder Judiciário brasileiro não deixava
de levar em conta uma provável condenação, mesmo com a falta de provas era
possível que ele fosse condenado; era factível que o julgamento político
acobertado por um discurso pretensamente jurídico prevalecesse, como de fato
prevaleceu.
Antes de analisar o mérito do
julgamento, a ausência de provas, quero
tecer algumas considerações sobre o Judiciário, sua estrutura substancialmente
intocada advinda do Estado escravocrata e monarquista e a mentalidade carreirista,
direitista por conveniência, dos magistrados.
Juizes
profissionais e corporativismo
Quem conhece o Judiciário sabe que
juízes profissionais aspiram chegar ao topo da carreira, serem desembargadores
nos Tribunais de Justiça, chegarem ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo
Tribunal Federal.
Esta mentalidade carreirista é
orientada pelo faro usado para descobrir para que lado se inclina o poder; querem
sempre “jogar no time que está ganhando”,
e o time que sempre ganha no jogo político é o time da direita, as vitórias da
esquerda sempre têm sido breves, temporárias. Desta maneira, por conveniência e carreirismo juízes são
direitistas e balizam suas decisões para galgarem os cumes do poder a que
servem.
Além disso, a história do Poder Judiciário brasileiro é de vilezas contra a esquerda.
Em 1936 o STF autorizou a extradição de Olga Benário Prestes grávida de Luis Carlos Prestes para ser
entregue a Hitler e morrer em um campo de concentração em 1942. Nenhum
argumento foi capaz de demover os Ministros do Supremo a denegarem a
extradição, para eles a moça era "perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do
País".
Em 7 de maio de 1947 o TSE – Tribunal
Superior Eleitoral -, cassou o registro do Partido Comunista do Brasil sob a esfarrapada
desculpa de que o PC do B, como se chamava na época o PCB, era “do Brasil, mas
não era brasileiro”, e recebia orientação do PCUS – Partido Comunista da União
Soviética.
Além destas claras manifestações de
opção de classe não devemos deixar cair no esquecimento que o Poder Judiciário
brasileiro e em particular os Tribunais Superiores conviveram sem choques com
sucessivas ditaduras como se vivessem no melhor dos mundos.
Enquanto durou a ditadura produto do
golpe de Estado 1964, Ministros e juízes aplicaram
toda uma legislação de fato produzida
pela vontade exclusiva do ditador como a esdrúxula figura dos decretos-leis, leis aprovadas
por decurso de prazo ou por um Congresso posto de joelhos mediante as
sucessivas levas de cassações de mandatos. Emprestaram
a aparência de legalidade ao que era fruto da pura arbitrariedade e violência
cometida contra a soberania popular.
Como coroamento deste conluio, o órgão
de cúpula do Poder Judiciário no julgamento da ADPF- 153/DF – Ação por
Descumprimento de Preceito Fundamental -, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB
por maioria anistiou os torturadores homiziando a canalha que tomou de assalto
o Estado em 1964 cometendo todo tipo de ilicitudes.
Esta ação objetivava a declaração da
incompatibilidade da Lei nº 6.683/1979 com a auto-anistia dos torturadores e
com a Constituição de 1988. Com esta decisão o período da ditadura (1964-1985),
da mais absoluta ilegalidade visto que o país vivia sem Constituição, é como se
não tivesse existido. Não olvidamos que sem a tradicional tripartição do poder
não existe Constituição nem democracia ou república e o governo de fato, uma ditadura, não tem legitimidade.
Os
onze Ministros do STF
Foi este órgão do Poder Judiciário que
a mídia golpista pressionou pela condenação de José Dirceu e de outros membros
do PT colocando a faca no pescoço de alguns Ministros, que tremeram diante da
possibilidade de suas vidas serem o assunto do jornalismo de esgoto.
Pressionados pelo Partido da Imprensa
Golpista que os ameaçava com o linchamento midiático dispensados aos réus
alguns Ministros preferiam romper garantias constitucionais a enfrentarem as
conseqüências da campanha de ódio. Em razão da manipulação da opinião pública
com o intuito de levá-la à histeria, o Ministro Lewandovski foi hostilizado em
aeroporto e objeto de escárnio quando compareceu na seção eleitoral em que vota.
Era daí para baixo o que estava reservado a qualquer Ministro que votasse pela
absolvição de Zé Dirceu e Genoíno.
Outros Ministros, Marco Aurélio de
Mello e Cezar Peluso e Gilmar Mendes votaram pela condenação com satisfação,
com gosto de sangue na boca, tal a sanha de mandar petistas para a cadeia,
principalmente os ex-guerrilheiros.
Em um ato de confissão ideológica e
preferência política Gilmar Mendes foi (dia 16 outubro) ao lançamento em
Brasília do panfleto ordinário, O país
dos petralhas, II, garatujado pelo pistoleiro da famiglia Civita, Reinaldo
Azevedo. Em qualquer país civilizado seria motivo para ser alegada a suspeição
e o impedimento deste cidadão participar do julgamento de pessoas de um partido
que ele declaradamente odeia.
A parcialidade do Ministro Marco
Aurélio de Mello é confessada sem pejo; declarou em entrevista que a ditadura
militar foi um "mal necessário". Se as vítimas e familiares das
vítimas da ditadura cuspirem neste cidadão onde o encontrarem não será nenhuma
novidade.
A ausência de requisito
moral para ser membro de um tribunal encarregado de zelar pela integridade da Constituição
é manifesta no caso do Ministro Marco Aurélio: defende uma ditadura, balbucia
justificar uma forma de governo sem Constituição, sem divisão dos poderes, a mais
absoluta ilegalidade. É um marginal em potencial, um direitista fadado a acobertar a delinquência da força contra o
direito. Foi por gente deste naipe que a esquerda foi julgada nos anos
da ditadura e foi agora com esta estória de "mensalão"...
A
“nova” ideologia da direita – a “caça” aos corruptos
As campanhas de ódio orquestradas pela
direita até o colapso do “socialismo real” em 1989 usavam o anticomunismo para destruir a
reputação de adversários e satanizá-los perante a opinião pública; só eventualmente
recorriam ao falso moralismo sob a forma de combate à corrupção. Carlos
Lacerda, arauto da UDN – União
Democrática Nacional -, o partido mais loquaz da direita, e Jânio Quadros
recorreram a este expediente para construírem suas imagens públicas e ocultarem
a vocação autoritária.
Com a eleição do presidente Lula em
2001 e sem poder recorrer ao anticomunismo para enganar aos desavisados a
direita retomou o discurso do falso moralismo, o “combate” à corrupção,
consistindo o auge desta satanização o chamado “mensalão”. Isto não pode ser
olvidado pois o real objetivo é golpear a esquerda e a democracia pelas bordas.
Foi em meio a este barulho provocado
por mais uma campanha de ódio lançada pela direita ideológica que maneja os
meios de comunicação que membros da direção nacional do Partido dos
Trabalhadores foram julgados.
A
ausência de provas
Não existem fatos a ensejaram a
condenação de José Dirceu por formação
de quadrilha e corrupção ativa e
os juízos para ampararem a condenação são ilações, juízos de probabilidade e ruptura
de garantias constitucionais mínimas, pois não existem provas, e como é sabido,
fatos não provados são fatos
inexistentes.
Para entender a condenação de Dirceu
pelo STF é preciso entender que a perseguição começou com a cassação do mandato
de deputado federal em 2005 por quebra de decoro. Quem quiser aferir se houve ou não prova da imputação que resultou
na perda do mandato basta ler a principal peça do processo que tramitou no Conselho
de Ética da Câmara dos Deputados, o Relatório do Dep. Júlio Delgado, de leitura rápida à vista
que só tem 52 folhas.
Quem se der ao trabalho de ler o
Relatório constatará que não existe naquela peça nenhum ato praticado pelo ex-deputado,por conseguinte nenhuma prova que justificasse a
cassação do mandato. Foi perpetrado um julgamento político, usou-se o poder da
maioria para a degola de um adversário, mandando às favas a ética e o direito.
Contudo, quem quiser ler o Relatório
em busca de fatos e provas não perderá de todo o seu tempo à vista de que se
deparará com ficção, de mal gosto, mas fantasia. Colhi uma pérola ao acaso, para
entretenimento, ipsis literis, fl. 44:
“Tudo leva a crer que a cúpula do PT levou para
dentro do governo Lula dois conceitos marxistas: que os fins justificam os
meios reprováveis e que o partido está acima do Estado“..
Lendo esta assertiva só se pode
concluir que o sujeito que produziu este engodo só pode ser um mitômano
porquanto estes dois “conceitos” não
existem na obra de Karl Marx. Por que ele não citou a obra, a fonte?
Acusar alguém sem provas é uma tarefa aviltante
visto que expõe o acusador a mostrar a face torpe. Isto aconteceu na fl. 45 do
citado Relatório, ipsis literis:
“A
denúncia que chegou a este Conselho é de que arquiteto deste espetáculo de
corrupção seria o poderoso homem forte do governo e o principal comandante do
PT, deputado José Dirceu de Oliveira e Silva. A lógica humana nos permite,
através do acúmulo de evidências irrefutáveis, que o Deputado José Dirceu tinha
poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos
poderes para impedir que tais práticas prosperassem.”
Na assertiva acima é perceptível de imediato
a ausência de provas. Portanto, o mandato foi cassado com base em ilações e
juízos forçados de imputação.
Se a verificação da ausência de provas
para a cassação do mandato na Câmara dos Deputados é fácil de ser verificada,
nos autos da Ação Penal 470, apesar dos 50 volumes, também pode ser certificada
sem esforço demasiado, sem ler todas as peças dos autos, basta que se leia a denúncia e as ALEGAÇÕES FINAIS oferecidas pelo Ministério Público.
Estas são as duas peças mais
importantes produzidas pela acusação nos autos. A denúncia
tem 136 folhas (aqui) e as ALEGAÇÕES FINAIS tem 390
e estão disponíveis na web.
Para quem não tem contato com o
direito penal informo aqui de maneira abreviada que é na denúncia que o Ministério Público tem o dever de descrever e individualizar a conduta do
acusado subsumindo-a a um tipo penal, conduta esta que caberá à acusação
provar durante a instrução do processo.
Nas ALEGAÇÕES FINAIS, também chamadas de MEMORIAL, acusação e
defesa analisam provas explicitando o conteúdo e inferindo conclusões. Já na DENÚNCIA constata-se que a mesma foi inepta em relação a
Dirceu porquanto não individualizou sua conduta. Para alcançar seu intento
persecutório o Procurador–Geral imputou como existindo as práticas de delitos
em grupos especializados e que Dirceu fazia parte do núcleo político, resumindo,
não praticou o que lhe era imputado mais era o responsável por tudo.
Da leitura das ALEGAÇÕES interpostas pelo Procurador-Geral não se vê nenhuma prova,
registro de um fato, mencionada
que possa incriminar Dirceu. Repetiu-se a arenga ensaiada no Relatório do
deputado Júlio Delgado: ilações descoladas de fatos, pois inexistentes, e
juízos de probabilidade para amparar uma imputação sem fundamento. Enfim, mais
uma vez Dirceu era acusado por tudo e contra si nada foi provado, nenhuma
conduta delituosa foi provada visto que sequer foi especificada na denúncia.
Foi desta maneira que Dirceu foi
condenado. Pagou caro por ser quem é, ter participado da resistência armada
contra a ditadura, ter construído um partido de esquerda com inserção no tecido
mais extenso da sociedade brasileira e ter vencido adversários históricos.
Aqueles que pensam que tisnarão o
Partido dos Trabalhadores com uma condenação injusta de seus militantes
históricos e em particular de José Dirceu se enganaram pois macularão para
sempre mesmo suas biografias pois facilmente aferível a falta de provas e a baixeza
de uma condenação insustentável.