OS 60 ANOS DO GOLPE CIVIL-MILITAR
Os 60 anos do golpe civil-militar de 1964 me fazem voltar ao tema pois o
assalto ao governo federal subvertendo a ardem constitucional inaugurada com a
Constituição de 1946 nos mostra que o estudo dos fatos históricos sempre tem a
nos ensinar.
O Exército brasileiro comandou o golpe a serviço dos EUA pois as Reformas
de Base do governo Goulart transformariam o Brasil em uma potência material em dez anos. Isto jamais seria permitido pelo imperialismo americano.
Agindo como um exército de ocupação contra os nacionais o Exército
brasileiro repetiu em escala nacional o que fez em Canudos, dizimar nacionais
esquecidos no sertão da Bahia que nenhum mal causavam a quem quer que
fosse.
Após o golpe a sociedade começou a reagir às torturas, cassações de
direitos políticos, exílios forçados e assassinatos. Nos idos de 1967 e 68 foram iniciados os preparativos para uma luta armada guerrilheira contra a ditadura,
principalmente por dissidências do PCB, tais foram o PCBR, a ALN, o MR-8.
A violência com que o Exército agiu contra os nacionais é um indicio de
que estava sob pressão dos EUA e deveria agir com máxima brutalidade para
impedir a deflagração da guerrilha sob pena de intervenção militar americana em
território brasileiro. O desembarque de tropas americanas aqui faria com que os
militares do Exército brasileiro tivessem que fazer uma fotografia ao lado do
invasor. Admitiam servir aos interesses americanos aqui, traidores sim, mas não
queriam a foto. O Exército brasileiro está bichado faz muito tempo.
A covardia e desapreço do
Exército brasileiro pelo povo brasileiro, que lhes treina, arma e paga o soldo,
está muito bem registrado no livro OS SERTÕES, de Euclides da Cunha, bem como
no relatório da Comissão Nacional da Verdade criada pela Lei nº 12.528/2011 onde
constam um rol de crimes tais sejam as violações dos direitos humanos, as torturas, estupros, assassinatos sob torturas e ocultação de cadáveres, bem como crimes contra o patrimônio, como extorsões e furtos dos bens dos aprisionados.
Pelas mãos de
Euclides da Cunha a resistência épica dos habitantes de Canudos foi
imortalizada. Mas a resistência igualmente épica dos que fizeram a luta armada
contra a ditadura instalada com o golpe de 1964 aguarda o Euclides para narrar a grandeza e coragem dos que não correram para debaixo da cama quando os traidores do Brasil tomaram por assalto o governo federal.
Todos os dois episódios foram protagonizados por civis contra o Exército
no papel infame de carrasco dos nacionais. Em Canudos a violência foi bem
delimitada contra sertanejos nos confins do sertão baiano; já depois do golpe
de 1964 a violência se espraiou sobre todo o território nacional, comandando um
governo de fato, ilegítimo, resultado da força e do crime, o Exército, segundo
Hugo Studart em A LEI DA SELVA, manteve durante dez anos uma ditadura
totalitária que vigiava e intimidava toda a sociedade brasileira.
Neste infausto período todas as instituições do Estado e da sociedade
brasileira foram vergadas, exceto uma banda da Igreja Católica, isto porque o
Exército não podia retirar o emprego dos padres e dos bispos. Congresso
Nacional, Judiciário, Ministério Público, OAB, sindicatos, jornais, todos
vergaram, menos os que fizeram a luta armada e suas organizações
clandestinas.
A resistência armada ao governo ilegal, produto do golpe, cobrou um
preço alto, sacrifício de carreiras, sequestros, torturas e mortes dos
resistentes. Organizações como o MR-8 e ALN foram reduzidas a uns poucos militantes
em clandestinidade profunda, outros tiveram que buscar refúgio no exílio. Todo
o comando nacional da ALN no Brasil foi assassinado. O comando do MR-8 no Chile
por um voto de diferença viu aprovada a tese da necessidade de um recuo nas ações
armadas. A VPR depois do rapto do embaixador suíço em dezembro de 1970, trocado
por 70 prisioneiros, foi completamente desmontada no Brasil.
Com armas próprias os resistentes não venceram porque não conseguiram
dividir o Exército. Mas quando o Exército se dividiu no governo Geisel e uma ala
colocou um cadeado na “linha dura” e aquartelou o Exército, a tese principal da
resistência armada venceu.
Venceram, pois nenhum governo de militares dura muito tempo. Contudo,
não viram os criminosos que contra si perpetraram crimes contra a humanidade
julgados e condenados.
Até agora viram apenas indenizações por danos morais por consequência
dos atos ilegais e criminosos da ditadura civil-militar. Estas reparações têm
seus critérios para cálculo fixados na Lei nº 10.559, de 3 de novembro de 2002.
Os criminosos impunes e seus sequazes já tentaram rever estas
indenizações no TCU buscando assim questionar o quantum indenizatório e a
lisura da Comissão ao fixar os danos e as respectivas reparações, que até
03/03/09 a Comissão de Anistia tinha analisado e deferido 4.856 pedidos de
indenização dos 13.294 requeridos. Por estes números
percebe-se que de cada três pedidos de indenização dois foram negados.
Quem sofreu danos causados pela ação dos "gorilas" que
ocuparam o poder em 1964 e seus sequazes pode renunciar ao seu direito de ser
reparado civilmente. Não partilho deste ponto de vista, mas concordo que neste
caso ser reparado civilmente é um direito renunciável, não é um dever nem uma
obrigação, daí quem queira renunciar à esta indenização está legalmente
amparado.
Do meu ponto de vista esta indenização tem um caráter simbólico, a
natureza de um julgamento de fatos históricos para que se afaste de vez
qualquer dúvida sobre a natureza ilegítima da ditadura e do cometimento de atos
muitas vezes criminosos, mas sempre ilícitos, dos que usurparam o poder por
golpe de Estado.
A difamação dos que resistiram à infame persiste. Uma das manifestações
é a alegação do quantum recebido pelos indenizados. Sinceramente, para mim qualquer
quantia é apenas simbólica se comparada ao prejuízo sofrido pela nação neste
período de servidão e morte civil da cidadania.
Quem ganhou dinheiro com a ditadura foram os empresários que fizeram
negócios com a ditadura e colaboraram para a caixinha que remunerava policiais,
militares e alcaguetes empenhados na captura, tortura e morte dos que
bravamente resistiram à humilhação de serem governados pela força.
A difamação lançada contra os que pleitearam indenização perante a Comissão de
Anistia normalmente é feita pelos mesmos que tentam defender a ditadura e
justificar os crimes cometidos querendo impor o meio pelo qual os cidadãos
deveriam ter resistido à infame, pois na visão bisonha destes escravos por
vocação os cidadãos nem deveriam ter resistido.
Na verdade a reação contra as indenizações sem ler os processos e sem observar
os critérios fixados na lei, base da fixação do quantum, é apenas propaganda
para difamar as vítimas e aos que resistiram aos desmandos do bando que ocupava
o poder e seus pistoleiros.
A impunidade de que gozam os criminosos da época, que lhes permite prosseguir
suas vidas tranquilamente, com blogs difamatórios na internet para caluniarem
suas vítimas, e sem serem sequer objeto de matérias indignadas em blogs ou na
grande imprensa, é apenas uma amostra do que seja a cidadania em um país
semi-escravocrata, onde os cidadãos não nutrem nenhum respeito por si próprios.